domingo, 25 de dezembro de 2011

Contardo Calligaris - O psicanalista explica por que a homossexualidade incomoda tanto?

Charles Gatewood/Topfoto/Keystock



De onde vem a homofobia? Como funciona o preconceito de quem acha que não o tem? Para responder a essas e outras perguntas, convocamos o psicanalista Contardo Calligaris - que sonha com um tempo em que ser homo, hétero ou bi não seja fundamental para definir nossas identidades
Contardo Calligaris é um homem acostumado a temas espinhosos. O psicanalista italiano de 63 anos, nascido em Milão e radicado em São Paulo, assina colunas toda quinta-feira na Folha de S.Paulo, e a trinca sexo, amor e relacionamentos é uma de suas constantes. Nesta edição de Trip dedicada à diversidade sexual, convidamos o terapeuta para refletir sobre por que, afinal, a homossexualidade provoca tanto incômodo. “Ninguém se incomoda com algo a não ser que isso seja objeto de um conflito interno. O homofóbico tem dificuldade em conter traços de homossexualidade que estão dentro dele”, responde Contardo. Segundo o psicanalista, as piadinhas sobre gays, tão comuns nas rodas de homens, celebram um laço que, no fundo, é homossexual. “Ninguém conta uma piada de veado para uma mulher, porque para ela é uma coisa totalmente ridícula. Ela vai virar e dizer: ‘Hein?’.”
Na entrevista a seguir, Contardo aponta para o enorme preconceito contra gays e lésbicas que ainda persiste no Brasil, fala sobre o papel das novelas na formação da opinião pública e defende a aprovação da lei que criminaliza a homofobia. “Essa garantia legal é crucial”, afirma. O psicanalista sai em defesa do “politicamente correto”, que, aqui, não funciona como nos EUA. “Lá, alguém como o [deputado federal Jair] Bolsonaro já estaria na cadeia há muito tempo”, acredita. Seu desejo, diz, é que a sociedade avance para um estágio em que se possa viver livremente de forma “junta e misturada”, ou seja, em uma realidade na qual ser heterossexual ou homossexual não seja tão importante para definir as nossas identidades.
Por que a homossexualidade incomoda tanto?
Vários psicanalistas e psicólogos já formularam sobre isso. Existe quase uma regra que quase nunca se desmente na prática. Quando as minhas reações são excessivas, deslocadas e difíceis de serem justificadas é porque emanam de um conflito interno. Por que afinal me incomodaria meu vizinho ser homossexual e beijar outro homem na boca? De forma simples, o que acontece é: “Estou com dificuldades de conter a minha própria homossexualidade, então acho mais fácil tentar reprimir a homossexualidade dos outros, ou seja, condená-la, persegui-la e reprimi-la, se possível até fisicamente porque isso me ajuda a conter a minha”. O problema de toda neurose é que a gente reprime muito mais do que precisa. A neurose multiplica a repressão. Se eu tenho uma vaga impressão de que eu poderia ter uma atração por um colega de classe, então acabo construindo uma série de comportamentos que me convençam de que não só não tenho atração nenhuma como eventualmente posso chamar esse colega de veado, criar um grupo de pessoas que compartilham daquela opinião e esperar ele sair da escola para enchê-lo de porrada.
O homofóbico necessariamente é um gay enrustido?
Eu não diria que é um gay enrustido. A homofobia responde a uma necessidade de reprimir uma parte da sexualidade, mas não significa necessariamente que essa pessoa seja homossexual. É alguém que está reagindo neuroticamente a traços de homossexualidade que estão em cada um. Isso já é suficiente para criar a homofobia.
A sociedade brasileira ainda é muito preconceituosa? O politicamente correto mascara isso?
O politicamente correto no Brasil é muito precário se comparado ao dos Estados Unidos. Aqui as pessoas se autorizam a dizer coisas que lá seriam impensáveis. O Bolsonaro já estaria na cadeia há muito tempo. Não tenho nada contra o politicamente correto, mesmo os seus excessos, porque não estou convencido de que as falas sejam inocentes. As piadas de discriminação deveriam ser proibidas. Deveria ser possível agir legalmente contra isso. Mas, sim, acho que a sociedade brasileira ainda é fortemente preconceituosa. O engraçado é que as formas mais triviais de preconceito se expressam em grupos que acabam sendo homossexuais. O clássico é a piada de veado, que faz todo mundo rir e ocorre numa roda de homens na padaria. Esses homens celebram rindo um laço entre eles que, no fundo, é homossexual. Os quatro skinheads que saem à noite para dar porrada na praça da República substituem o que seria uma homossexualidade neles batendo em quem eles supõem ser homossexual.
Você é a favor da lei que criminaliza a homofobia?
Sou totalmente a favor. Incitar o ódio e a exclusão não dá. A liberdade de expressão não justifica ir contra direitos fundamentais.
Como funciona o preconceito das pessoas que dizem não ter preconceito? Como reagem pais que se consideram esclarecidos quando descobrem que o filho é gay?
No caso dos pais, tem uma parte da reação que não é necessariamente homofóbica. Há um sentimento de perda e preocupação. Eles presumem que não terão netos, isso é uma perda. Eles têm uma apreciação realista da sociedade. Pensam: “Se o meu filho for gay, a vida dele será mais dura. Não poderá viver em qualquer lugar, vai ter que morar em grandes metrópoles. Quando for alugar um apartamento, talvez encontre um dono que não vai gostar de saber que ele vive com outro homem. Uma noite pode estar na praça da República e ser agredido. Quando for fazer a queixa na delegacia, pode ouvir que, se não fosse veado, isso não teria acontecido. Vai trabalhar numa multinacional e todo mundo vai ter a foto da mulher ou do marido em cima da mesa. Ter a foto de alguém do mesmo sexo provavelmente não vai contribuir para o progresso da carreira dele. Enfim, haverá uma série de limitações”. Pode ser que para nossos filhos e netos isso evolua, mas a realidade hoje é essa.
Esses pais se culpam? Perguntam: “Onde foi que eu errei?”
Hoje muito menos, o que prova que a homossexualidade está sendo menos considerada como patologia do que no passado. A homossexualidade é produzida por uma série de coisas complexas, algumas, aliás, não têm nada a ver com o tipo de criação que a pessoa recebeu. Responsabilizar os pais é algo grotesco. Agora, nos anos 70, sim. Eu atendi pais que se recusavam completamente a aceitar que os filhos eram gays. E tive pacientes homossexuais que tinham perdido o contato com os pais a partir do momento em que saíram do armário.
Como você vê a representação dos gays nas novelas?
A existência de gays como personagens positivos ou simplesmente aceitos tem um efeito importante. A novela das nove é a grande formadora de opinião no Brasil. Às vezes tem até uma capacidade de antecipar e transformar a visão sobre as coisas. Nem sempre o que aparece nas novelas é porque os brasileiros mudaram. Às vezes os brasileiros mudam porque apareceu na novela. É pequena a antecipação, mas ela existe. A novela pode se propor a escandalizar um pouco, permitir que as pessoas pensem um pouco além do que elas pensavam antes.
Homossexualidade é genética ou construída? Ou nem cabe mais essa questão?
É um debate aberto. O que todo mundo sabe hoje é que a genética não é o destino de ninguém. Mesmo que existisse um gene da homossexualidade, que, se existe, ainda não foi encontrado, ele precisaria ser posto em ação. Os nosso genes se realizam ou não a partir de uma série de questões relacionadas ao ambiente – geofísico e humano. Imaginar que exista uma separação rigorosa entre o genético e o construído é ingênuo. As coisas se misturam. O grande argumento a favor da tese de que é genético é que existem pesquisas com gêmeos que mostram que, em univitelinos, se um é homossexual a maioria dos irmãos também é. Algo em torno de 60%. Agora, isso é um argumento a favor da tese? Na verdade, é um argumento contra porque, se são univitelinos, deveria ser 100%, já que o patrimônio genético dos dois é rigorosamente igual. O caso é interessante porque mostra que a coisa é mais complexa.

"O gênero não é o mais importante para definir a sexualidade de alguém. A fantasia define muito mais"

Crianças criadas por casais homossexuais sofrem de dificuldades específicas? Seu desenvolvimento é diferente do de crianças de casais heterossexuais?Isso já está totalmente estabelecido. Há um campo de pesquisas importante nos EUA e em alguns países da Europa, onde já há um bom tempo os casais homossexuais foram autorizados a adotar crianças. Está absolutamente claro que as estatísticas, tanto do futuro da vida sexual dessas crianças como da patologia eventual delas, são absolutamente idênticas às das crianças criadas por casais héteros. Acho que isso não deveria nem mais ser tema de conversa. Porque os resultados estão lá, são conhecidos.
O preconceito é maior em relação a casais de homens que desejam adotar filhos?É possível. Até porque um dos grandes mitos da homofobia é que as pessoas, sobretudo as mais ignorantes, confundem homossexualidade com pedofilia. Então elas perguntam: “Mas como um casal de homossexuais masculinos vai adotar crianças? Eles vão estuprá-las”. E a pedofilia pode ser totalmente heterossexual.
Você já sentiu atração por homens? Teve vontade de beijar e transar com um homem?
Não, atração nesse sentido não... Mas cresci nos anos 60, uma época de amor livre. Tudo aquilo era bastante aberto e misturado.
Deu para experimentar bastante coisa?
Sim.
Você já questionou a sua orientação sexual?
Questionar a orientação sexual já é em si um problema porque, no fundo, eu não acredito muito nessa distinção entre homossexual e heterossexual como um divisor de águas. Do ponto de vista da personalidade de alguém, é um fato muito marginal. Muito mais do que se ela transa com pessoas do mesmo sexo ou não, o que define uma pessoa é a fantasia sexual com a qual ela funciona. Um homossexual cuja sexualidade é alimentada numa fantasia sadomasoquista tem muito mais a ver com um heterossexual com fantasia parecida do que com outro homossexual que, ao contrário, gosta de transar ternamente, dando beijinhos. O gênero não é o mais importante para definir a sexualidade de alguém. A fantasia define muito mais.
Há quem diga que no futuro as pessoas vão se relacionar independentemente do gênero. Seria tudo meio “junto e misturado”. Você concorda com isso?
Eu preferiria que fosse assim. A homossexualidade se tornou uma identidade necessária para tempos de luta. Nos últimos 30 ou 40 anos e certamente nas próximas décadas ainda terá que se afirmar para que haja uma paridade de direitos real e concreta. Mas, uma vez retirada essa necessidade de luta, não sei se a escolha de gênero do objeto sexual será o mais importante para definir a identidade de alguém... Sou homossexual ou sou heterossexual. Sim, e daí? Good for you. Não sei se verei esse novo mundo, mas espero que isto aconteça: que essa identidade se torne insignificante, pois não será tão necessária.
Nota: Matéria originalmente publicada na revista Trip #204, aqui reproduzida.

domingo, 11 de dezembro de 2011

"Multiplicidade de Corpos"

João W. Nery (Imagem: Google)

Ele nasceu Joana. Sempre se sentiu João. O escritor João Walter Nery tem dado várias entrevistas contando a sua história, sobretudo o sofrimento de nascer em um corpo que não lhe era próprio. Isso tudo pode  parecer bem clichê, mas é a vida real de João W. Nery que ele conta no livro "viagem solitária", à venda em livrarias do Brasil.
No país desde 2008 é possível fazer a cirurgia de redesignação sexual (ou processo transexualizador) pelo Sistema Único de Saúde, como consta na Portaria 457 de 19/08/2008. É um processo longo e progressivo. A cirurgia para mudar o aparelho genital é a última parte. Quando acontece. 
Para as trans homens, antes disso virão as injeções de testosterona que farão com que apareça a voz grossa e a barba. A menstruação cessa. A cirurgia de ablação das mamas é mais uma etapa a ser encarada. Há ainda uma outra cirurgia que também pode ser feita: a histerectomia, para retirada do útero, ovários e trompas.
As adequações anatômicas em pessoas que nascem mulheres e se sentem homens, como a construção do pênis, por exemplo, é algo ainda experimental e considerado uma raridade nos centros especializados em mudança de sexo. João Nery também tem falado sobre isso em suas entrevistas.

Algumas questões e polêmicas permeiam a liberação da cirurgia de redesignação sexual pelo SUS. Vejamos.
Para a Organização Mundial de Saúde, a transexualidade é um transtorno de identidade de gênero, portanto, um transtorno de personalidade. Uma patologia. E é com base nesse pressuposto que está garantida a gratuidade do procedimento. 
O SUS foi criado com a Constituição Federal de 1988 para que toda a população brasileira tivesse acesso ao atendimento público de saúde. É uma conquista muito importante, fruto da luta dos movimentos sociais, do movimento pela reforma sanitária. É uma vitória da democracia. 
Nesse sentido, é muito bom que o processo transexualizador possa ser feito pelo SUS. É um direito. No entanto, as intervenções cirúrgicas só são realizadas se atenderem a critérios estabelecidos por uma resolução do Conselho Federal de Medicina. Um laudo atestando a necessidade do procedimento deve ser feito por uma equipe composta por psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo (a) e assistente social. O laudo indica que o transexual tem um transtorno psicológico que o faz não se conformar com aquele corpo. Por isso, ativistas dos movimentos LGBT organizam debates, discussões e campanhas que questionam o transtorno mental imputado à transexualidade. 
Abaixo, imagem da campanha "Não é transtorno, É transcedência", de um grupo contra a homofobia, lesbofobia e transfobia.




Ao lado, a tela A Mulher Barbuda, de José de Ribera (1631). Magdalena Ventura de los Abruzos tinha bigode e intensa barba negra. Aparece na tela amamentando seu filho caçula com sua volumosa mama direita. Tem fisionomia masculina e, segundo o Portal Médico é um caso de androgenização registrado em obra de arte.


Voltando à transexualidade, segundo a Wikipédia, deixou de ser considerada um transtorno mental na França em 2010, primeiro país a tomar essa decisão, graças à luta e reivindicações dos movimentos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros.
Segundo o estudo "Transexualismo, psicanálise e gênero: do patológico ao singular", a vontade de ser do sexo oposto não implica necessariamente uma patologia ou uma disfunção da percepção da aparência, mas uma singularidade de algumas pessoas.
No site Círculo Psicológico, "o psicólogo Rafael Cossi, autor da pesquisa, trabalhou com várias noções da psicanálise lacaniana para tentar explicar por que algumas pessoas buscam viver suas vidas como se fossem do sexo oposto". 
Ainda no site:

Segundo Cosi, tratar o transexualismo como uma singularidade de cada pessoa é entender a personalidade de cada uma delas e fugir dos estereótipos.  “Transexual não é apenas a pessoa que solicita a cirurgia de mudança de sexo. Há homens que vivem como mulheres e mulheres que vivem como homens mesmo com o órgão sexual oposto. Eles lidam bem com isso e sentem que não precisam fazer a cirurgia. Para muitos deles, sua redesignação civil, a mudança de nome, já lhes é suficiente, assim como o reconhecimento e o respeito do outro.”
Não sou estudiosa do tema, apenas curiosa e interessada em teorias sobre gênero, sexualidade e orientação sexual. Não necessariamente nessa ordem. Tenho lido e feito algumas reflexões sobre a teoria queer que recusa a classificação dos indivíduos em categorias universais, como homossexual, heterossexual, homem, mulher.

O próprio João W. Nery fala em suas entrevistas sobre a teoria queer e questiona a rígida diferenciação entre o "feminino" e o "masculino". Veja o que ele diz na entrevista que deu à Marília Gabriela para o Programa De Frente com Gabi:
"O transexualismo, como os transgêneros e os travestis são tudo trans identidades e são hoje todas vistas dentro do enfoque da teoria queer (...). Queer é uma palavra inglesa que quer dizer estranho. E que as lésbicas, homossexuais de uma maneira geral, falavam para se autodefinir. São pessoas híbridas que saem desse esquema de heterocentrismo, ou seja, só há homem e mulher e heterossexual é que é o normal, o resto é doente (...). E é ótimo que existam transexuais e que exista a patologia, sabe  porque? porque aí o hetero diz: 'eu sou normal e você é doente. Eu só posso ser normal porque você é doente'. Então, é ótimo que hajam os trans, os travestis, ou seja, uma multiplicidade de corpos".
Na entrevista que João W. Nery deu a Antônio Abujamra no programa "Provocações" tem um trecho fantástico, quando ele responde à pergunta sobre "O que é ser um homem?". 
Veja o que ele diz:
"Eu acho que há uma questão cultural muito forte. Ser homem e ser mulher, claro, é uma diferença física que basicamente a mulher menstrua, engravida. E até que ponto isso realmente não é o que diferencia. E digo a você que ser homem não é ter um pênis". 
Assista a entrevista:          







                                                             Transamerica - Cartaz


Escrevendo sobre João W. Nery e lendo sobre transexuais, claro que eu lembrei do filme Transamérica (2005, EUA), direção de Duncan Tucker. O filme mostra a história de Bree Osbourne (Felicity Huffman) uma transexual que vive em Los Angeles e economiza seus recursos financeiros para fazer a última cirurgia que a transformará definitivamente em uma mulher. Durante esse processo ela recebe um telefonema de Toby (Kevin Zegers), um jovem preso em Nova York que está à procura do pai. Bree se dá conta de que ele deve ter sido fruto de um relacionamento seu quando ainda era homem. Ela vai, então, ao encontro do filho e o tira da prisão. O rapaz acredita que se trata de uma missionária cristã tentando convertê-lo. Bree não desfaz o mal-entendido, mas o convence a acompanhá-la de volta a Los Angeles. Durante a viagem muita coisa acontece. Inclusive a verdade. É um filme tocante, sensível e bem-humorado. Vale a pena assistir. 
Para encerrar o post de hoje, deixo o trailer legendado do filme Transamérica:













sábado, 10 de dezembro de 2011

A luta continua: Pelo Fim da Violência contra as Mulheres

Hoje se encerra a campanha dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres. Exatamente no dia em que se comemora o aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 1948.

Segundo a enciclopédia livre, "Os direitos humanos e liberdade são os direitos básicos de todos seres humanos". Pois, a violência contra as mulheres é uma violação aos direitos humanos das mulheres.

A violência contra a mulher é muitas vezes chamada de doméstica, porque ela é praticada em sua maioria dentro de casa e por pessoas unidas por parentesco. É um tipo de violência em geral perpetrada pelo marido, companheiro, namorado ou amante. Também é muito comum que a agressão parta de ex - namorado, amante, cônjuge.


A violência contra a mulher atinge e afeta as mulheres independente da religião, classe social, raça e etnia, orientação sexual, idade e local de moradia.
É um tipo de violência que expressa as desigualdades entre mulheres e homens, que reflete  a subordinação das mulheres na sociedade, que está ligado às relações de gênero, à forma como mulheres e homens estão na sociedade. Tem muito a ver com o machismo.
Ao contrário do que muita gente pensa, o álcool não é determinante da violência contra as mulheres. Pode até ser um agravante, naqueles casos em que os homens no cotidiano tem comportamento violento. 
Para erradicar a violência de gênero é preciso um complexo conjunto de fatores, incluindo políticas públicas, uma educação não-sexista, um sistema integral de proteção e promoção dos direitos humanos das mulheres, mudança de comportamento, de cultura e de mentalidade.
Por isso, a Campanha dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres termina hoje, mas  a luta continua. 
www.planalto.gov.br/spmulheres




Veja também:

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Blogueiras Feministas conversam com a Ministra Iriny Lopes


Faltando poucos dias para a realização da 3a. Conferência de Políticas para as Mulheres, as Blogueiras Feministas tiveram uma audiência com a Ministra Iriny Lopes. Também participaram do encontro que aconteceu no dia 8 de dezembro às 18h na sede da Secretaria de Políticas para as Mulheres, em Brasília, representantes da Marcha das Vadias do DF, Gizella Rodrigues da Oficina da Palavra e Kamayura Saldanha que é a coordenadora nacional da Abraço - Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária.
Na pauta um balanço dos nove anos de existência da Secretaria de Políticas para as Mulheres e, claro, a 3ª. Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres.
Audiência com a Ministra Iriny Lopes
A Ministra faz um balanço positivo sobre a ação da SPM ao longo desses nove anos, destacando algumas ações importantes e realçando que "tudo é muito novo, um processo em construção". Falou sobre os muitos desafios enfrentados como a superação da violência contra as mulheres e a ampliação da presença das mulheres na política.
Para a Ministra Iriny, a prioridade deve ser a autonomia econômica, financeira e pessoal das mulheres.
Desenvolver um programa com essa finalidade é a grande meta para 2012. Como parte das ações deste programa, a ministra falou sobre a criação de 6 mil novas creches como meta até o fim dessa gestão.
A ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres falou também sobre a necessidade de superação das desigualdades entre mulheres e homens e das dificuldades para isso uma vez que além de políticas públicas e campanhas, depende também da cultura, da educação e de uma grande mudança de comportamento. Toda a sociedade precisa estar envolvida.

Catarina Corrêa, Kamayura Saldanha, Bianca Cardoso
Priscila Brito e Suely Oliveira
Sobre a realização da 3ª. Conferência de Políticas para as Mulheres (3ª. CNPM), a Ministra Iriny disse estar satisfeita. Ela pessoalmente ou integrantes de sua equipe participaram de todas as etapas estaduais e o resultado é bem positivo. Agora é unir forças para a etapa nacional. Foco é a palavra-chave. E, nesse sentido, a autonomia econômica, financeira e pessoal das mulheres dará o tom. A conferir.
A 3a CNPM acontece em Brasília, entre os dias 12 e 15 de dezembro e espera-se a participação de
Você que não é delegada, convidada ou observadora da 3ª. Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, poderá acompanhar a transmissão ao vivo pela Abraço.


Blogueir@s Feministas - Brasília (Foto: Rogéria Peixinho)
A seguir a programação completa da 3ª. Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres:

12/12/2011 – Segunda-feira18h às 21h: Solenidade de Abertura da 3ª CNPM
Dia 13/12/2011 – Terça-feira8h às 10h30: Plenária de Abertura
Aprovação do Regulamento da 3ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres
11h às 13h: Painel 1 – As mulheres no momento atual do desenvolvimento econômico e social: desafios de um projeto de país com igualdade entre mulheres e homens e sustentável 
13h: Rodas de Conversa
Roda 1: Como pensar políticas que dêem conta da pluralidade
Roda 2: História das desigualdades entre homens e mulheres
Roda 3:Orçamento para políticas para as mulheres
Roda 4: Comunicação e mídia não discriminatórias
13h às 14h30: Almoço
14h30 às 17h30: Grupos de Trabalho
Grupo de Trabalho 1: Autonomia Econômica e Social: igualdade no mundo do trabalho e desafios do desenvolvimento sustentável (Eixo 1 do II PNPM: Autonomia econômica e igualdade no mundo do trabalho com inclusão social; Eixo 6 do II PNPM: Desenvolvimento sustentável no meio rural, na cidade e na floresta, com garantia de justiça ambiental, soberania e segurança alimentar e Eixo 7 do II PNPM: Direito à terra, moradia digna e infra-estrutura social nos meios rural e urbano, considerando as comunidades tradicionais ).
Todos os grupos de trabalho incorporam na sua discussão as dimensões de raça, orientação sexual e geracional (Eixo 9 do II PNPM: Enfrentamento do racismo, sexismo e lesbofobia e Eixo 10 do II PNPM: Enfrentamento das desigualdades geracionais que atingem as mulheres, com especial atenção às jovens e idosas).
18h às 20h: Painel 2 – Enfrentamento do racismo e da lesbofobia: articulação necessária para o enfrentamento do sexismo
20h às 21h30: Jantar
22h:Show com Zélia Duncan
Dia 14/12/2011 – Quarta-feira
8h30 às 10h30: Painel 3 – Enfrentamento das desigualdades e a autonomia das mulheres
11h às 13h: Painel 4 – Plano Nacional de Políticas para as Mulheres: perspectivas e prioridades
13h: Rodas de Conversa
Roda 1: Um olhar internacional 
Roda 2: Mulheres jovens e idosas – as políticas e as diferenças de geração
Roda 3: Relatos de experiências de gestão pública
Roda 4: Relatos de experiências de gestão pública – formação de gestoras e agentes públicos
13h às 14h30: Almoço
14h30 às 18h30: Grupos de Trabalho
Grupo de Trabalho 2: Autonomia Cultural (Eixos 2 do II PNPM: Educação inclusiva, não-sexista, não-racista e não-homofóbica e Eixo 8 do II PNPM: Cultura, comunicação e mídia, igualitárias, democráticas e não discriminatórias)
Grupo de Trabalho 3: Autonomia Pessoal (Eixo 3 do II PNPM: Saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos e Eixo 4 do II PNPM: Enfrentamento de todas as formas de violência contra as mulheres)
Grupo de Trabalho 4: Autonomia política, institucionalização e financiamento de políticas públicas para as mulheres(Eixos 5 do II PNPM: Participação das mulheres nos espaços de poder e decisão e Eixo 11 – gestão e monitoramento do Plano)
Todos os grupos de trabalho incorporam na sua discussão as dimensões de raça, orientação sexual e geracional(Eixo 9 do II PNPM: Enfrentamento do racismo, sexismo e lesbofobia e Eixo 10 do II PNPM: Enfrentamento das desigualdades geracionais que atingem as mulheres, com especial atenção às jovens e idosas).
19h: Conferência de Michelle Bachelet – Secretária Geral Adjunta da ONU e Diretora Executiva de Onu Mulheres(Entidade das Nações Unidas para o Empoderamento das Mulheres)
20h às 21h: Jantar
21h às 23h: Atividade cultural
15/12/2011 – Quinta-feira
8h30 às 12h30: Plenária Final
Discussão e deliberação sobre propostas e recomendações dos grupos de trabalho.
12h30 às 14h: Almoço
14h30 às 17h: Plenária Final (continuação)
Discussão e deliberação sobre as propostas e recomendações dos grupos de trabalho. Apresentação e aprovação de Moções.
17h às 18h: Solenidade de Encerramento da 3ª CNPM
19h: Jantar
Leia também:
Tabloide da 3a. Conferência

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Cabelo oprimido é um teto para o cérebro - Alice Walker

Alice Walker
Como muitos de vocês devem saber, fui aluna desta faculdade, há muitas luas. Eu me sentava nessas mesmas cadeiras (às vezes ainda com o pijama sob o casaco) e olhava para a luz que entra por estas janelas. Eu ouvia dezenas de palestras encorajadoras e cantei e ouvi música maravilhosa. Acho que sentia que ia voltar para falar deste lado do pódio. Acho que naquele tempo, quando eu estudava aqui, adolescente ainda, eu já pensava no que diria a vocês, hoje.
Talvez os surpreenda saber que não pretendo falar (talvez até o período de perguntas e respostas) sobre guerra e paz, economia, racismo ou sexismo, ou sobre os triunfos e atribulações dos negros ou das mulheres. Nem sobre filmes. Embora os mais atentos possam ouvir em minhas palavras a preocupação por alguns desses assuntos, vou falar sobre algo muito mais perto de nós. Vou falar sobre cabelo. Não se preocupem com o estado dos seus cabelos neste momento.
Não fiquem alarmados. Não se trata de uma avaliação. Simplesmente quero compartilhar com vocês algumas experiências com nosso amigo cabelo, e espero entreter e divertir a todos.
 Durante um longo tempo, desde a primeira infância até a idade adulta crescemos física e espiritualmente (incluindo o intelecto com o espírito), sem que nos demos muito conta do fato. Na verdade, alguns períodos do nosso crescimento são tão confusos, que nem percebemos que se trata de crescimento. Podemos nos sentir hostis, zangados, chorosos ou histéricos, ou deprimidos. Jamais nos ocorre, a não ser que encontremos por acaso um livro ou uma pessoa capaz de explicar, que estamos em processo de mudança, de crescimento espiritual. Sempre que crescemos, sentimos, como a semente nova deve sentir o peso e a inércia da terra, quando procura sair da casca para se transformar numa planta. Geralmente não é uma sensação agradável. Porém, o mais desagradável é não saber o que está acontecendo. Lembro-me das ondas de ansiedade que me envolviam nos diferentes períodos de minha vida, sempre se manifestando por meio de distúrbios físicos (insônia, por exemplo) e como eu ficava assustada, porque não entendia como aquilo era possível.
Com a idade e a experiência, vocês ficarão satisfeitos em saber, o crescimento torna-se um processo consciente e reconhecido. Ainda um pouco assustador, mas pelo menos compreendido. Aqueles longos períodos, quando algo dentro de nós parece estar esperando, contendo a respiração, sem saber qual será o próximo passo, com o tempo transformam-se em períodos esperados, pois enquanto ocorrem, compreendemos que estamos sendo preparados para a próxima fase da nossa vida e que provavelmente vai se revelar um novo nível de personalidade.
 Alguns anos atrás passei por um longo período de inquietação, disfarçado em imobilidade. Isto é, isolei-me do grande mundo a favor da paz do meu mundo pessoal, muito menor. Eu me desliguei da televisão e dos jornais (um grande alívio!), dos membros mais perturbadores da minha grande família, e da maioria dos amigos. Era como se eu tivesse chegado a um teto no meu cérebro. E sob esse teto minha mente estava extremamente inquieta, embora tudo em mim estivesse calmo.
 Como é comum nesses períodos de introspecção, contei as contas do meu progresso neste mundo. No relacionamento com a família e os antepassados eu agira respeitosamente (nem todos concordarão, acredito); no meu trabalho eu havia feito, usando toda a habilidade de que disponho, tudo que era exigido de mim; no relacionamento com as pessoas com quem convivo diariamente, eu agira com todo amor que podia encontrar no meu íntimo, Eu começava também, finalmente, a reconhecer minha responsabilidade para com a Terra c minha adoração do Universo. O que mais então eu devia fazer? Por que, quando eu meditava e procurava o alçapão de escape no alto do meu cérebro, o qual, nos outros estágios do crescimento, eu sempre tive a sorte de encontrar, só achava agora um teto, como se o caminho para me identificar com o infinito, o caminho que eu costumava trilhar, estivesse selado?
Certo dia, depois de ter feito ansiosamente essa pergunta durante um ano, ocorreu-me que, no meu ser físico, havia uma última barreira para minha libertação espiritual, pelo menos naquela fase: meu cabelo.
Não meu amigo cabelo propriamente, pois logo percebi que ele era inocente. O problema era o modo pelo qual eu me relacionava com ele. Eu estava sempre pensando nele. Tanto que, se meu espírito fosse um balão, ansioso para voar e se confundir com o infinito, meu cabelo seria a pedra que o ancoraria à Terra. Compreendi que seria impossível continuar meu desenvolvimento espiritual, impossível o crescimento da minha alma, impossível poder olhar para o Universo e esquecer meu ego completamente nesse olhar (uma das alegrias mais puras!) se continuasse presa a pensamentos sobre meu cabelo. Compreendi de repente porque freiras e monges raspam as cabeças!
 Olhei no espelho e comecei a rir de felicidade! Tinha conseguido abrir a pele da semente e estava subindo dentro da terra.
 Então comecei as experiências. Durante alguns meses usei longas tranças (era moda entre as mulheres negras na época) feitas com o cabelo de mulheres coreanas. Eu adorava isso. Realizava minha fantasia de ter cabelos longos e dava ao meu cabelo curto e levemente processado (oprimido) a oportunidade de crescer. A jovem que trançava meu cabelo era uma pessoa que eu acabei adorando - uma jovem mãe lutadora; ela e a filha chegavam à minha casa às sete da noite e conversávamos, ouvíamos música, comíamos pizzas ou burritos, enquanto ela trabalhava, até uma ou duas horas da manhã. Eu adorava o artesanato dos desenhos criados por ela para a minha cabeça. (Trabalho de cesteiro! exclamou uma amiga, tocando a teia intrincada na minha cabeça.) Eu adorava sentar entre os joelhos dela como sentava entre os joelhos de minha mãe e de minha irmã enquanto elas trançavam meu cabelo, quando eu era pequena. Eu adorava o fato do meu cabelo crescer forte e saudável sob as "extensões", coma eram chamadas as tranças.
Eu adorava pagar a uma jovem irmã por um trabalho realmente original e que fazia parte da tradição do penteado dos negros. Eu adorava o fato de não precisar tratar do meu cabelo a não ser com intervalos de dois ou três meses (pela primeira vez na vida eu podia lavar a cabeça todos os dias, se quisesse, e não fazer nada mais). Porém, uma vez ou outra as tranças tinham de ser retiradas (um trabalho de quatro a sete horas) e feitas novamente (mais sete a oito horas); também eu não me esquecia das mulheres coreanas que, de acordo com minha jovem cabeleireira, deixavam crescer o cabelo expressamente para vender. É claro que essa informação me fez pensar (e, sim, me preocupar) sobre os outros aspectos de suas vidas.
Quando meu cabelo atingiu dez centímetros de comprimento, dispensei o cabelo das minhas irmãs coreanas e trancei o meu. Só então renovei o conhecimento com suas características naturais. Descobri que era flexível, macio reagindo quase com sensualidade à umidade. Com as pequenas tranças girando para todos os lados, menos para onde eu queria que virassem, descobri que meu cabelo era voluntarioso, exatamente como eu! Vi que meu amigo cabelo, tendo recuperado vida própria, tinha senso de humor. Descobri que eu gostava dele.
Mais uma vez na frente do espelho, olhei para minha imagem e comecei a rir. Meu cabelo era uma dessas criações estranhas, incríveis, surpreendentes, de parar o tráfego - um pouco parecido com as listras das zebras, com as orelhas do tatu ou os pés azul-elétrico do mergulhão - que o universo cria sem nenhum motivo especial a não ser demonstrar sua imaginação ilimitada. Compreendi que jamais tivera a oportunidade de apreciar o cabelo em sua verdadeira natureza. Descobrir que ele, na verdade, tinha uma natureza própria. Lembrei-me dos anos que passei agüentando cabeleireiros - desde o tempo de minha mãe - que faziam trabalho missionário nos meus cabelos. Eles dominavam, suprimiam, controlavam. Agora, mais ou menos livre, ele ficava todo espetado para todos os lados. Eu telefonava para todos meus amigos no país para relatar as travessuras do meu cabelo. Ele jamais pensava em ficar deitado. Deitar de costas, na posição missionária, não o interessava. Ele cresceu. Ficar curto, cortado quase até a raiz, outra "solução" missionária, também não o interessava. Ele procurava espaços cada vez maiores, mais luz, mais dele mesmo. Ele adorava ser lavado; mas isso era tudo.
Finalmente descobri exatamente o que o cabelo queria: queria crescer, ser ele mesmo, atrair poeira, se esse era seu destino, mas queria ser deixado em paz por todos, incluindo eu mesma, os que não o amavam como ele era. O que acham que aconteceu? (Além disso, agora eu podia, como um bônus adicional, compreender Bob Marley como o místico que suas músicas diziam que era). O teto no alto do meu cérebro abriu-se; mais uma vez minha mente (e meu espírito) podia sair de dentro de mim. Eu não estaria mais presa à imobilidade inquieta, eu continuaria a crescer. A planta estava acima do solo.
Essa foi a dádiva do meu crescimento, no meu quadragésimo ano. Isso e saber que enquanto existir alegria na criação haverá sempre novas criações para descobrir, ou redescobrir, e que o melhor lugar para olhar é dentro de nós mesmos. Que a própria morte, sendo parte da vida, deve oferecer pelo menos um momento de prazer.
Fiz esta palestra no Dia dos Fundadores, 11 de abril de 1987, no Spelman College, Atlanta