"A primeira vez que eu tive uma relação sexual com um homem, fiquei grávida. Eram os anos oitenta. Eu estava na universidade, cheia de esperança, alegrias e sonhos. Nem me passava pela cabeça interromper os meus sonhos e planos e enfrentar uma gravidez. Eu nunca tinha falado ou discutido sobre aborto. Não pensei 2 vezes. Não tinha a grana necessária (na época era 5mil cruzeiros). Falei com o cara. Peguei uma parte com ele e outra, uma feminista que soube do problema, doou. Nunca vou esquecer o que ela fez por mim. Eu era capaz de fazer qualquer coisa, mas eu não ia levar aquela gravidez adiante. Fui num lugar sujo, na periferia da cidade, fiquei 3 dias muito mal e até hoje não sei como não tive uma infecção. A sensação de ter resolvido o problema é indescritível. Uma mistura de alívio, com felicidade, com retomada da vida".
Esse relato é meu mesmo, mas poderia ser de qualquer outra mulher. Algumas estão desesperadas. Há relatos de mulheres que se jogam na frente de um carro, que pulam de alturas (muitas, de árvores), de mulheres que se furam com agulha de tricô (e correm o risco de ter o útero perfurado). Os métodos são falhos e na maioria voltados para as mulheres - DIU, Diafragma, pílula, injeções; há uma cultura que desresponsabiliza os homens pela tarefa da contracepção; há o inconsciente que interfere (o desejo de ter e de não ter); há ainda muita desinformação sobre o funcionamento do próprio corpo (conheci mulheres que acreditavam que a camisinha se perde no corpo - sim, que vai pro estômago, ou até pro cérebro; outras que asseguram que as mulheres podem engravidar fazendo sexo anal e que por isso, na hora do parto a criança força para sair pelo ânus).
Do ponto de vista médico (ou clínico), o abortamento é um procedimento simples, rápido e seguro, mas a ilegalidade faz com que muitas mulheres morram nos serviços de saúde em decorrência de um aborto mal feito. No documento Atenção Humanizada ao Abortamento, do Ministério da Saúde, especialmente entre as páginas 33 e 40, é possível entender melhor sobre as técnicas de esvaziamento uterino para um abortamento seguro. O misoprostol continua sendo eficaz e seguro. Muitas vezes nem se faz necessária uma curetagem.
Por fim, falei sobre o desespero de algumas mulheres quando se deparam com uma gravidez indesejada. Mas há também aquelas situações em que as mulheres decidem sem maiores problemas. Sem culpa. Sem sofrimento. Claro que por ser ilegal, há sempre um 'medo' rondando as mulheres, principalmente nesses tempos em que muitas clínicas tem sido estouradas.
Defendo que as mulheres possam fazer um aborto - interromper uma gravidez - independente da razão que a levou a tomar aquela decisão. Defendo que o aborto seja legalizado no Brasil como já acontece em vários países. Descriminalizar e legalizar o aborto são reivindicações históricas dos movimentos feministas em vários países da América Latina e Caribe, inclusive no Brasil. Já falei sobre isso aqui e aqui A ilegalidade do aborto viola os direitos humanos das mulheres e impõe a maternidade obrigatória, ferindo a autonomia das mulheres e sua dignidade.
Por isso, fiquei bem feliz com a notícia sobre a comissão de juristas criada pelo Senado para elaborar o novo Código Penal que já aprovou um anteprojeto que prevê, entre outros pontos, a ampliação dos casos em que o aborto é legal.
Vou brigar e apoiar essa comissão do senado. Vou atrás de saber o que os movimentos feministas estão defendendo, mas desde já, levo a minha opinião de ser favorável ao que a comissão está propondo.